quinta-feira, março 10, 2005

Shadows

(1959)

O primeiro longa do ator e diretor John Cassavetes (1929-1989).

Ao ler a sinópse, surpresa: o filme é um improviso. Não fosse pelo ligeira desconexão da trama como um todo (lembrando filmes mais contemporâneos do Mike Leigh, que certamente foi influenciado em algum grau por Cassavetes), seria difícil concluir sobre a ausência do roteiro em um primeiro momento.

Partindo apenas de improviso de atores selecionados, nascem os personagens e uma pseudo-trama é construída à partir da interação entre eles. O resultado é visível: todos os personagens carregam grande força e estilo. Ben é um jovem instrumentista vagante, Lelia é uma socialite e Hugh é um cantor em decadência. O laço entre os três irmãos (Ben, Lilia e Hugh) é tocante e intenso, oscilando entre afeição e intolerância, típico em pessoas vivendo ao extremo. O mesmo vale para Hugh e seu empresário, e também para Ben e seus amigos - culminando na cena da briga mal-sucedida: uma demonstração amor e ignorância solidária, ao mesmo tempo honrosa e patética.

O filme exala como poucos o sentimento 'cool' do cenário alternativo, realçado por uma trilha jazz de primeira qualidade. Ben, apesar de não poder ser considerado personagem mais central que os outros, é a verdadeira personificação desse sentimento, e o ator que o retrata, Ben Carruthers (morto em 1983), merece menção especial.

Tratando-se de um filme tão antigo e tido como revolucionário, é uma pena conseguir assisti-lo somente 55 anos depois de seu lançamento, e já um tanto deteriorado (principalmente o som).

Condições da exibição: DVD próprio, na minha casa...

quarta-feira, março 09, 2005

Contra a Parede

(Gegen die Wand - 2003)

Filme de Fatih Akin, vencedor do Urso de Ouro em Berlim 2004.

Contando com atores e direção acima da média, o filme - que trata do relacionamento de dois imigrantes turcos, Cahit (o excelente Birol Ünel) e Sibel (a revelação Sibel Kekelli), que se casam por conveniência - consegue prender a atenção do espectador na primeira hora, oscilando entre um filme trágico e um comovente relacionamento pouco convencional.

A arte (roupas, maquiagem), com destaque especial para as localizações (na maioria das vezes bares e boates de segunda categoria), é extremamente fiel ao tema do filme, e choca ao mostrar uma Alemanha decadente. A trilha, composta de pesadas músicas de rock alternativo, como Depeche Mode, complementa o clima devasso. O contraste visual e sonoro surge nas cenas recorrentes de uma típica formação instrumental e vocal turca, tocando o que parecem ser músicas folclóricas, marcando o início ou final de um "capítulo" no filme.

Destaque especial para a colocação da câmera nas cenas, e na peculiar habilidade de retratar com calculado desinteresse as cenas mais importantes do filme.

O filme, no entanto, acaba perdendo-se. A linha entre o não convencional e o não crível é fina. Se caminhar perto do extremo prende a atenção do espectador na primeira metade, na segunda se condena por ultrapassar a tal linha. A história dá uma guinada tão forte e forçada que é como se jogasse o espectador para fora da experiência que tanto o cativou até aquele momento. É quase como se anunciasse que é, de fato, um filme. "Tudo pode acontecer de agora em diante", diz o diretor, e, de certo modo, tudo se torna previsível desde então.

O filme, que poderia ser uma excelente história de recuperação e relacionamento, se torna um apanhado de exercícios de martirização (mesmo que muito bem filmado).

Condições da exibição: boa. Assistimos no Frei Caneca Unibanco Arteplex, sala lotada, pouco barulho.